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Cientistas conseguem reativar cérebros de animal após a morte

Um estudo publicado em abril na revista Nature mostrou que com os equipamentos adequados é possível restaurar a função metabólica no cérebro



cérebro (Kiyoshi Takahase Segundo/Getty Images/iStockphoto/VEJA/VEJA)



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Uma vez que o corpo morre e o sangue para de circular, espera-se que todos órgãos parem de funcionar – o que de fato acontece. Mas cientistas têm investigados formas de fazer o cérebro, considerado um dos principais órgãos do corpo, “voltar à vida” após a morte. Um estudo publicado em abril na revista Nature mostrou que com os equipamentos adequados é possível restaurar a função metabólica no cérebro. Isso significa a possibilidade de manter as funções moleculares e celulares do cérebro durante algumas horas após a morte.

“Essas descobertas mostram que, com as intervenções apropriadas, o cérebro de mamíferos retém uma capacidade subestimada de restauração normotérmica da microcirculação e de certas funções moleculares e celulares várias horas após a parada circulatória”, escreveram os pesquisadores. Para conseguir este resultado, a equipe utilizou um equipamento chamado de BrainEx, um equipamento capaz de manter os órgãos vivos fora do corpo por longos períodos ao imitar a circulação sanguínea.  

Segundo a equipe, o experimento, realizado em porcos, ainda é inicial e há muitas questões éticas a serem resolvidas antes de verificar os resultados em seres humanos. Além disso, o equipamento utilizado na pesquisa ainda não é capaz de reproduzir os resultados em cérebros humanos.

Uma longa jornada

O principal autor da pesquisa, Nenad Sestan, começou sua investigação há muitos anos, testando tecidos cerebrais de animais e humanos, concentrando-se principalmente nos neurônios. Entre os assuntos que estudou ao longo da carreira foi o conectoma, que é uma espécie de mapa de conexões do cérebro que está associada aos neurônios do cérebro e as sinapses que produzem. Durante seus estudos, ele descobriu que as células cerebrais poderiam ser mantidas vivas sob as circunstâncias adequadas.

Uma das primeiras descobertas indicaram que um fluido (líquido) personalizado com substâncias específicas poderiam ajudar na preservação da funcionalidade dos tecidos. “Seis dias foi nosso registro. Seis dias, e as células ainda eram cultiváveis”, contou Sestan ao The New York Times. Os erros cometidos nesta etapa também trouxeram novas descobertas: as amostras de tecido só permaneciam intactas se armazenadas na geladeira. Caso fossem retiradas e mantidas à temperatura ambiente, a decomposição iniciava rapidamente. 

Outra questão a ser resolvida era a oxigenação. Os cérebros dos mamíferos são compostos de emaranhados de artérias e capilares, responsáveis pela circulação do sangue por todo o órgão. No entanto, quando o cérebro era fatiado para retirar partes de tecido, essa arquitetura era destruída, o que interferia na preservação das células. A solução para o problema estava em não usar partes do cérebro, mas o órgão inteiro e mantê-lo vivo através da perfusão. Essa técnica aproveita a rede vascular existente no órgão e imita o fluxo natural de sangue que percorre o cérebro – ajudando a evitar a morte das células e, consequentemente, a decomposição. 

Os obstáculos

Para conseguir explorar este campo, era preciso considerar os desafios. Para que a a perfusão funcionasse, por exemplo, seria necessário fazer a conexão muito rápido, antes que o sangue começasse a coagular – o que acontece minutos após a morte. O único equipamento de perfusão disponível no mercado era o CaVESWave, produzido pela empresa BioMedInnovations (BMI) – que a equipe conseguiu comprar em 2015. Para realizar os estudos, eles focaram em cérebros de animais, especificamente de porcos.

Os animais para estudo eram conseguidos em um matadouro, mas para garantir a viabilidade dos cérebros, ele e sua equipe precisavam acordar diariamente às 4h30 da manhã para buscar os animais. Assim que as partes “comíveis” era retiradas, os pesquisadores pegavam a cabeça, tiravam o excesso de sangue, colocavam no gelo e corriam para o laboratório. O desafio começava aí. Era preciso remover o crânio sem interferir na arquitetura vital do órgão, como as artérias.

Durantes vários dias, a pesquisa se limitou a observar a anatomia craniana do porco e entender onde cada parte vital ficava. Apenas no vigésimo cérebro, eles entenderam minimamente a estrutura arterial do animal. No dia 40, eles já sabiam quais vasos sanguíneos precisavam ser fechados e quais partes do crânio precisavam permanecer presas. “Eu me lembro de me sentir mal fisicamente porque acordávamos às 4 da manhã, indo para a cama à meia-noite e fazendo a mesma coisa de novo. Mas, eventualmente, houve progresso”, contou Zvonimir Vrselja, integrante da equipe, ao The New York Times. 

Depois de compreender o funcionamento do cérebro do porco, os pesquisadores perceberam que a máquina de perfusão, no entanto, não atendia às necessidades da pesquisa. Foi necessário criar uma nova versão do equipamento capaz de se adaptar ao objetivo da pesquisa. O novo mecanismo recebeu o nome de BrainEx.

 

Fonte: Revista Veja