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No adeus à "cara metade", Anne se viu mãe dos filhos da irmã

Para quem já perdeu sua gêmea, sensação é de ainda estar incompleta...





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Demorei muito para conseguir me olhar no espelho. Ao me ver, era impossível não me lembrar dela'.

Por 48 anos, Cristiane Lopes Peralta foi a cara metade da irmã gêmea Annelise Peralta Herradon. As duas, que até nasceram 'grudadas' e permaneceram por mais de 4 décadas felizes na companhia uma da outra, infelizmente não se despediram no mesmo instante. Devido a um câncer, a morte encontrou Cris primeiro, e Anne se viu faltando a parte que lhe completava.

'Naquele momento, foi a pior sensação do mundo. Afinal, eu nunca mais ia a ver. A gente era do pagode, da feijoada, da brincadeira. Do riso. Não tínhamos tempo ruim, juntas sempre fomos a alegria das festas e reuniões em família. Mas, pra dizer bem a verdade, era ela quem deixava o ambiente feliz, preenchido de luz...', confirma Annelise.

Cristiane teve uma leucemia mieloide aguda de grau 4, isto é, um tumor que se desenvolve nos glóbulos brancos. Por geralmente ter o diagnóstico tardio, é uma doença com alta letalidade. Não foi muito diferente para Cris. Em 26 dias, perdeu a vida, foi separada da família, dos amigos, da irmã. O ano era 2018, conta Anne.

'Foi a tempestade mais silenciosa em nossas vidas. Ela não teve nenhum sintoma aparente, nenhuma situação ou reclamação de que havia uma doença tão maligna por trás. Ela simplesmente passou mal num domingo, o que era até para ela ter vindo almoçar aqui em casa, fez exames na segunda e na sequência já recebeu o diagnóstico. Foi internada e não saiu mais de lá', recorda a irmã.

Na época foi uma corrida contra o tempo. Por mais que a situação de Cris era grave, a esperança de Anne e da família motivaram uma das maiores campanhas de arrecadação de sangue em 30 anos de história do Hemosul (Hemorrede do Estado do Mato Grosso do Sul), não só na tentativa de minimizar o quadro com transfusões periódicas de plaqueta, mas também na procura de um doador de medula óssea. E Annelise era compatível.

'Eu poderia ter sido a parte que iria salvá-la, mas isso só depois que ocorresse sessões de quimioterapia e que ela estivesse mais forte, com a situação 'controlada'. Acabou que não deu tempo', lamenta a gêmea que ficou.

Entretanto, o que Annelise 'falhou' em ajudar Cristiane, foi a própria irmã quem serviu de 'anjo' para tantas outras pessoas. 'Parece que foi uma missão entregue à ela no último momento, que pegou pra si e foi capaz de cumprir. Ela salvou muitas vidas, principalmente de inúmeras bolsas de sangue entregues ao Hospital Regional. Pensar nisso dar um alento no coração', admite.

Ao Lado B, Annelise revela que falar da irmã ainda dói, mas que só assim se fortalece. 'Ela sempre foi e sempre será a metade de mim. Ela é minha bênção. Até agora, sentado aqui falando com vocês, sinto a presença dela em mim. E o que era meu, era dela, e vice-versa. Sempre fomos assim', diz.

Tanto é verdade que da irmã e mãe que se foi, não só ficou a saudade da sua 'cara metade', mas também os filhos que aqui ficaram e que Anne se orgulha de ser madrinha. 'Para eles, na época, foi bem difícil. Imagina só… olhar para mim era ver a mãe deles 'viva'. E disso eu entendo, porque também sentia o mesmo. Mas hoje eles são mais meus filhos do que afilhados', afirma.

A decisão de Cris em ter a irmã enquanto madrinha dos seus três filhos até estranhou a mãe, que questionou: 'porque você vai colocar em uma só pessoa a 'cautela' dos seus filhos?'. Porém, a vida dá sua razão de ser. Na época, em resposta à mãe, a gêmea teceu aquilo que Anne até hoje guarda no fundo do peito:

Porque ela é a melhor parte de mim'.

Quando a irmã partiu, a tarefa mais difícil – entre tantas – foi a de Anne separar as roupas da falecida. 'Ali foi meu momento com ela. Chorei muito. Éramos os pupilos da família, conhecida como as 'Nê' que todo mundo queria ter de companhia. Mas a vida é engraçada… mesmo que eu me apegue e confio muito em Deus, tem horas que não consigo entender suas decisões'.

Na sequência da morte de Cristiane, veio o nascimento de outros dois membros da família, as netinhas que Anne considera para si. 'Parece que foi proposital. Deus trocou o luto pelo amor de duas novas vidas. Foi um recomeço forçado para todo mundo', conta.

Ainda separando as roupas da irmã, Annelise encontrou uma peça que seria usada por Cris no 'festão' de 50 anos das duas – interrompido 2 anos antes com a morte antecipada da gêmea. 'Sempre amei comemorar aniversário ao lado dela. Tínhamos o costume de vestir a mesma roupa e brincar de confundir todo mundo. Éramos duas palhaças', descreve.

'Claro que é difícil celebrar agora, mas é possível. No aniversário seguinte à sua morte, nos 'nossos' 50 anos, todos os filhos do coração vieram aqui em casa fazer surpresa junto aos meus de sangue. Foi um momento muito feliz que todos nós precisávamos', relembra.

Faltam apenas dois dias para o próximo aniversário, marcado em 28 de abril. Já virou tradição Anne ir até o cemitério onde a sua gêmea está enterrada, isso de manhã bem cedinho. É lá onde conversa com ela, põe os papos e os 'bafão' em dia. 'Nunca brigávamos porque morríamos de medo de uma não contar fofoca para a outra', brinca.

O luto e a tristeza se transformaram em uma alegria nostálgica, mas sempre com uma pontinha de dor pela falta que a irmã lhe faz. 'Mês passado mesmo eu sonhei com ela. Me contou que estava bem, feliz e em paz. E que eu sempre estive certa. Que minha maior qualidade era a de ser persistente nas coisas, de manter a cabeça erguida e continuar a viver como sempre. Acordei feliz'.

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