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Abel: "Tiraram o título do Inter"

Em entrevista exclusiva ao ge, treinador faz balanço de sétima passagem pelo clube, diz que perda do tetra brasileiro ainda dói e fala também sobre o que vem pela frente na carreira



Abel Braga esbraveja contra a forma como VAR é utilizado - Ricardo Rimoli/Estadão Conteúdo



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Abel Braga deixou Porto Alegre para voltar ao Rio de Janeiro horas depois do empate em 0 a 0 com o Corinthians, no Beira-Rio, em 25 de fevereiro, pela 38ª e última rodada do Brasileirão. De lá para cá, duas semanas se passaram, o técnico recebeu o prêmio de melhor do campeonato e retomou a rotina de caminhadas à beira da praia. Mas ele fez tudo isso tomado pela sensação de que o título do Brasileirão foi tirado do Inter.

É quase uma sombra que persegue insistentemente o treinador sempre que pisa as calçadas do Leblon. Uma indignação que faz questão de externar em uma hora de entrevista exclusiva ao geconduzida sem amarras, com a sinceridade costumeira de Abelão.

O técnico garante que não houve desonestidade ou maldade. Mas questiona decisões seguidas da arbitragem contra o Inter nas duas últimas rodadas. Especificamente a expulsão de Rodinei por Raphael Claus na derrota por 2 a 1 para o Flamengo, no Maracanã, na penúltima rodada, e o pênalti que Wilton Pereira Sampaio marcou e depois revisou com auxílio do VAR no empate em 0 a 0 com o Timão.

"Tiraram. Eu não tenho nenhuma dúvida disso. Não estou dizendo que foi de maldade ou que são desonestos. Mas foi um prejuízo grande. Os erros foram somente direcionados para um lado, contra o Inter. Os caras mereciam, porque foi um time de caras dignos, time de operários, lutaram até o último minuto, mas infelizmente tiraram, eu considero, de forma absurda"

Deixar escapar o que seria o tetra do Inter no Brasileirão após 41 anos ainda dói no técnico que deu ao clube sua primeira Libertadores e o Mundial em 2006. Mas Abel também fala do que vem pela frente, ainda sem planos concretos. Foi sondado para estrelar uma série documental sobre sua vida e para voltar a trabalhar nos Emirados Árabes. O técnico quer ser homenageado em vida. E não descarta até mudar de função no futebol.

Passado, presente, futuro... Abel Braga fala sobre tudo isso e, volta e meia, aparece o nome do Inter. Sua "alma gêmea", como diz o técnico recordista em jogos na história do clube nas linhas a seguir.

Deixar escapar o que seria o tetra do Inter no Brasileirão após 41 anos ainda dói no técnico que deu ao clube sua primeira Libertadores e o Mundial em 2006. Mas Abel também fala do que vem pela frente, ainda sem planos concretos. Foi sondado para estrelar uma série documental sobre sua vida e para voltar a trabalhar nos Emirados Árabes. O técnico quer ser homenageado em vida. E não descarta até mudar de função no futebol.

Passado, presente, futuro... Abel Braga fala sobre tudo isso e, volta e meia, aparece o nome do Inter. Sua "alma gêmea", como diz o técnico recordista em jogos na história do clube nas linhas a seguir.

Você chegou ao Inter após a saída do Coudet. Na sua opinião, foi um trabalho de retomada até se consagrar como melhor técnico do Brasileirão?

Sinceramente, não. Porque não correu bem no Cruzeiro lamentavelmente. Você viu como está o Vasco. Quando começou a pandemia, eu saí porque havia uma promessa de se cumprir com os jogadores, e eu assinei o contrato com o presidente para que essa promessa fosse cumprida. Era ótimo para trabalhar, mas estava ficando pesado. Classificamos na Sul-Americana, deixei lá praticamente classificado na Copa do Brasil, mas sofremos uma derrota em casa para o Goiás. Depois teve outro jogo, e eu falei: “Como é que você quer que eu cobre o jogador com cinco meses do ano passado atrasado?”. Isso é uma pena. Então saí. Mas independente disso, como pode querer que uma carreira de um treinador vai ser sempre ganhando? Eu ganhei pra caramba, ganhei 27 títulos. Em 1988, termino o campeonato como vice-campeão brasileiro, era o treinador mais novo da primeira divisão, hoje eu sou o mais velho. Mas cheguei de novo. Houve uma sondagem de se fazer um seriado comigo, porque é muito história, acho que isso incomoda. Eu tenho história para contar. Desde que comecei no futebol com 15 anos no Fluminense, eu tenho história. E tem cara que tem que comentar resultados, porque é mais fácil de se chegar na crítica, na notícia ruim, porque essa é a que vende, do que fazer análise do trabalho.

Aproveitando o gancho. Que história é essa de série de documentário?

Vieram levantar isso, e eu falei: “Vamos ver”. Porque são muitas histórias, mas também não vou lembrar de todas, os caras têm que me ajudar, tem que pesquisar, acho que vai dar algo legal se for feito. É algo interessante porque tem os altos e baixos, as decepções. As maiores conquistas são no Inter e as maiores decepções também são no próprio Inter, principalmente em pênaltis. Como pode explicar um negócio desses? Não me preocupo, no futebol não se pode fazer planos. Quando a coisa surge, você fala: “Ou tô dentro, ou tô fora”. E esse foi um dos motivos pelo qual eu voltei ao Inter.

Em 1988, termino o campeonato como vice-campeão brasileiro, era o treinador mais novo da primeira divisão. Hoje eu sou o mais velho. Mas cheguei de novo.

Você que chega desacreditado pelos outros e sai como melhor técnico do Brasileirão. Um trabalho assim só podia ser no Inter?

Acho que não só poderia ser no Inter, talvez no Fluminense. É onde há a relação mais forte. Mas o que me marcou mais não foi ser considerado o melhor treinador. O que me marcou mais foi realmente, porque isso não aconteceu nem nos melhores sonhos, nesse sonhos que tu sabe que nunca vai se concretizar, nunca tinha tido um sonho que eu seria o treinador com mais números de jogos num clube gigante como o Inter. Tenho uma placa aqui muito bonita que o presidente atual me deu. É uma caricatura minha com 400 e tantas fotos pequenas. Isso, para mim, é o grande troféu da carreira, porque é o clube que eu mais me identifiquei. Passei sete vezes, onde eu tenho o maior número de amigos no futebol até hoje.

 

Por que tem essa relação tão profunda entre Abel Braga e o Inter?

Sinceramente não sei explicar. Tem muito a ver também porque é um clube que sempre, em momento algum dessas passagens, o Inter deixou de ter uma relação humana forte. Quando tu chega e vê aquela relação humana, naquele estádio, as pessoas não gostam, o mais lindo do país. Muita coisa boa que foi passado, mas que vem na cabeça quando chega ao CT e ao Beira-Rio. Eu lembro de uma declaração de Renato que ia torcer para o Barcelona na final do Mundial. Aí encontrei ele depois num restaurante e falei: “Pô, cara, olha aqui isso. Tudo bem que tu vai torcer pros caras, mas precisava falar?”. Aí, ele falou: “Abel desculpa, eu sou azul”. Aí comecei a entender, realmente está certo, porque eu sou vermelho. É um cara amigo, querido, parabenizá-lo por mais essa renovação, não à toa que o Grêmio vem ganhando muita coisa, vai para o quinto ou sexto ano, e cada vez mais as dificuldades aumentam.

Tem uma coisa que eu não sei explicar, de repente meu vocabulário é pequeno. Em relação ao Inter, os grandes momentos, eu estou no meio. É o Inter que me proporciona isso. Tem uma alma gêmea nesse negócio todo. Ninguém precisava falar que ia ser justamente com o Abel como treinador que o Inter quebraria o número de vitórias consecutivas nos pontos corridos. Nessa passagem pelo Inter, mais uma vez, foi lindo, cara.

Não ficou uma certa decepção de não seguir o trabalho no clube?

Não. Porque quando o Marcelo me contratou ele falou: “Vou sair em dezembro, não posso mais me candidatar”. E eu falei que tudo bem. Termina em fevereiro, parece que ele consultou os candidatos, e vamos fazer o contato com o Abel até o final do Campeonato Brasileiro e assim foi. No primeiro jogo que o presidente foi, o eleito (Alessandro Barcellos), lá ́em Salvador. Começamos a conversar um pouco, não chegamos a falar de futuro, mas conversamos legal, e ele falou: “Até dia 25 que acaba o campeonato em fevereiro não se muda nada, vou conhecendo o grupo”. Foi o primeiro jogo que ele tinha ido, e foi sempre correto, foi sempre presente. Ele e o (João) Patrício em todos os jogos, nada ruim. Eu só achei que podiam dar um toque antes, porque eu não deixei o Inter, aí ia ser sacanagem. Começou aquela arrancada boa. Não eram ainda as nove vitórias, e tive o convite de um clube dos Emirados Árabes para ir no dia seguinte. Eu falei que isso eu não ia fazer. Achei que podiam falar que já tinham acerto com o treinador, eu não sabia se o negócio ia correr bem. Ele tem esse direito, mas achava que podiam me dar um toque: “Ó, não vai dar pra continuar contigo porque eu tenho outro compromisso”. Mas não tira o direito da nova direção de já ter conversado: “Nós fomos eleitos, vamos querer o cara, o Miguel para trabalhar durante dois anos, que trabalha com base”, que eu também gosto de trabalhar com base e é a salvação de todos os clubes. Mas não teve mágoa não, não teve nada disso. Teve respeito por eles e eles por mim.

E agora quais os planos para o futuro? Recebeu sondagens?

Quer saber mesmo a verdade? Um dos restaurantes mais tradicionais do Rio fechou. E agora os funcionários abriram um novo. Meu camarada. Eu tô doido para acabar esse negócio (comércio fechado), que a minha mesa está reservada lá (risos). Esse que é meu futuro. Depois eu não sei, te juro. Sabe que esse maluco ligou para mim e falou desse negócio de fazer um documentário, uma minissérie. Ou eu me empolgo com esse negócio, não sei. Pra mim já deu. Porque tem que fazer essa p*** em vida. Não vou fazer quando eu ver que eu já tô indo. Eu quero participar agora, quero ver, quero curtir esses momentos. Tem uma coisa de Emirados Árabes de novo, tomara que dê certo. Vai ser pena porque eu perdi o (preparador físico) Cristiano (Nunes) para o Atlético-MG, o (Rodrigo) Caetano me roubou ele.

Houve uma sondagem de se fazer um seriado comigo, porque é muito história, acho que isso incomoda. Eu tenho história para contar

Um conselheiro, o José Amarante, propôs fazer uma estátua do Abel do Beira-Rio. É uma homenagem em vida que está à altura do técnico?

Isso vai ser outro grande momento se acontecer, mas é aquele negócio. Se o cara perguntar seu vou gostar disso, eu não vou gostar, eu vou amar. Já me proporcionou o maior número de jogos como treinador, e se isso vier a acontecer, não sei te explicar. Eu sei que também lá na Câmara dos Vereadores tem um projeto para eu receber uma homenagem de Cidadão Porto Alegrense. O pessoal até penas que eu sou gaúcho. Porque eu faço churrasco, gosto de churrasco, sou branco, pegou qualquer sol e fico vermelho. Mas sou carioca. E sou um carioca que gosta de frio.

Dá para dizer que essa foi a última vez do Abel no Inter?

Não. Eu não sei como vai ser minha vida daqui para frente. Agora, eu te falo que já estou na curva, aqui dentro de mim. Porque ninguém vai me parar. Eu vou falar: “Parei”. Aí eu vou buscar outra coisa dentro do futebol. Não sei se é isso que vai vir, um diretor técnico, vou ajudar o treinador, direção a nível de informação de equipe, de grupo, de filosofia, por conhecer bem o Inter, porque eu sei exatamente o que o torcedor gosta de ver e, no fundo, apesar de alguns timaços que o Inter teve. Teve o Mário, Figueroa, Manga, Claudiomiro, Valdomiro, Falcão, Batista. Mas tem que ser um time operário também, porque é o que caracteriza a história do Inter, principalmente pela construção do Beira-Rio, a maneira que foi.